A morte do colunista
Estou desiludido. Ainda não encontrei ninguém a escrever sobre a doença da Kylie Minogue. Todos os dias folheio a jornalada à procura do texto – e nada. Não, ainda não li nenhuma prosa metafórica sobre a fragilidade daqueles que julgamos imunes às enfermidades e ao sofrimento comuns. Sobre o facto de se provar mais uma vez que até os deuses podem ser obrigados a fazer quimioterapia. E, confesso, tinha fortes expectativas que isso viesse a acontecer.
Admito: esperava percorrer, um a um, os parágrafos de uma crónica intitulada “Musas com Pés de Barro” (talvez apareça no fim-de-semana, na revista do Expresso). Como esperei a confraria de artigos moralistas sobre o caso dos sobreiros e de Nobre Guedes (aí fui afortunado). Como esperei artigalhadas várias sobre Valentim Loureiro e Isaltino (também tive sorte – comigo mesmo, inclusive). Como esperei o embalo das linhas moles sobre o tsunami, os polícias mortos e o episódio da Terry Schiavo.
Sim, devia constar dos manuais. Esse é um dos perigos primeiros da actividade de colunista e de cronista: ser levado na enxurrada da facilidade e da previsibilidade. Às vezes, como se costuma dizer, não se faz por mal. É-se seduzido ou pela poesia fácil ou pelo pleonasmo da indignação. Costuma chamar-se abutres a certo tipo de jornalistas. Os colunistas, a serem um animal, são, em geral, uma pobre ovelha. Sempre pronta a seguir em rebanho o assunto do dia. De forma melancolicamente previsível.
E, sabemo-lo, não há nada pior para um opinante profissional do que o leitor conseguir prever tudo o que vai escrevinhar sobre determinado assunto. É a chamada morte do colunista.
(texto publicado no dia 20 de Maio de 2005)
Admito: esperava percorrer, um a um, os parágrafos de uma crónica intitulada “Musas com Pés de Barro” (talvez apareça no fim-de-semana, na revista do Expresso). Como esperei a confraria de artigos moralistas sobre o caso dos sobreiros e de Nobre Guedes (aí fui afortunado). Como esperei artigalhadas várias sobre Valentim Loureiro e Isaltino (também tive sorte – comigo mesmo, inclusive). Como esperei o embalo das linhas moles sobre o tsunami, os polícias mortos e o episódio da Terry Schiavo.
Sim, devia constar dos manuais. Esse é um dos perigos primeiros da actividade de colunista e de cronista: ser levado na enxurrada da facilidade e da previsibilidade. Às vezes, como se costuma dizer, não se faz por mal. É-se seduzido ou pela poesia fácil ou pelo pleonasmo da indignação. Costuma chamar-se abutres a certo tipo de jornalistas. Os colunistas, a serem um animal, são, em geral, uma pobre ovelha. Sempre pronta a seguir em rebanho o assunto do dia. De forma melancolicamente previsível.
E, sabemo-lo, não há nada pior para um opinante profissional do que o leitor conseguir prever tudo o que vai escrevinhar sobre determinado assunto. É a chamada morte do colunista.
(texto publicado no dia 20 de Maio de 2005)