Notícia do meu prédio
Sei disso: aqueles que me lêem estão sempre à espera que traga novidades sobre a minha vizinha de baixo. Não adianta fingir que não é assim. Vós, os meus leitores (ah, que expressão onanista - se não me dirigisse, é claro, a duas pessoas) são capazes de passar sem o meu magno pensamento sobre o défice, o Bloco, os fatos do Portas, o campeonato de futebol, o referendo à constituição europeia ou o último poema do Ramos Rosa (escrito há 12 segundos, parece-me). O que não dispensam é a noticiazinha sobre a minha vizinha de baixo. E eu, escriba servil, faço-vos a vontade.
A notícia da jornada sobre a minha vizinha de baixo é aterradora. Esqueçam problemas tipo inundações em barda, ausência prolongadíssima de pagamento de condomínio ou bombeiros a entrarem-nos por casa dentro sem qualquer razão. Pior do que tudo isso: a minha vizinha de baixo está numa de ser simpática para a família do quarto andar sem elevador - abre-nos, como um porteiro à antiga, a porta aqui do prédio e até faz questão de nos avisar que caiu do fio da roupa um atoalhado nosso. Não, não sei se vou aguentar mais isso. Não admito tamanha generosidade da vizinhança.
Uma vizinha de baixo é uma vizinha de baixo. Terá de continuar a ser uma vizinha de baixo. Com quem temos conflitos permanentes. Com quem cortamos relações todos os dias. E, além do mais, tenho de cultivar – o mais obsessivamente possível – as temáticas recorrentes da croniqueta. É que, da maneira que isto está, daqui a nada começamos a passar os serões a discutir, sei lá, a influência de Ricardo Reis em Fernando Pessoa. Com o canídeo fedorento da senhora ao lado.
(publicado no dia 25 de Maio)
A notícia da jornada sobre a minha vizinha de baixo é aterradora. Esqueçam problemas tipo inundações em barda, ausência prolongadíssima de pagamento de condomínio ou bombeiros a entrarem-nos por casa dentro sem qualquer razão. Pior do que tudo isso: a minha vizinha de baixo está numa de ser simpática para a família do quarto andar sem elevador - abre-nos, como um porteiro à antiga, a porta aqui do prédio e até faz questão de nos avisar que caiu do fio da roupa um atoalhado nosso. Não, não sei se vou aguentar mais isso. Não admito tamanha generosidade da vizinhança.
Uma vizinha de baixo é uma vizinha de baixo. Terá de continuar a ser uma vizinha de baixo. Com quem temos conflitos permanentes. Com quem cortamos relações todos os dias. E, além do mais, tenho de cultivar – o mais obsessivamente possível – as temáticas recorrentes da croniqueta. É que, da maneira que isto está, daqui a nada começamos a passar os serões a discutir, sei lá, a influência de Ricardo Reis em Fernando Pessoa. Com o canídeo fedorento da senhora ao lado.
(publicado no dia 25 de Maio)