Tuesday, June 28, 2005

O povo dá jeito

O povo só é «justo» - e, por isso, digno de todo o género de elogios - quando votou naqueles que nós achamos que mereciam ter ganho as eleições. É assim em democracia. É assim na democracia lusa. Lembram-se com certeza disso: o povo foi muito elogiado aquando das últimas legislativas. Porque nessa altura, segundo grande parte dos escribas de camarote, o povo teve «a lucidez» e a «responsabilidade» necessárias para provocar uma viragem política no país. Obrigadinhos, ó povo.
O pior é que a malta entusiasma-se amiúde e embala em conclusões e aforismos de que vem depois, melancolicamente, a arrepender-se. Nos momentos de rambóia pós-eleitoral, escreve-se e diz-se muitas vezes que «o povo português é sempre sábio». Porque - defende-se em maiúsculas - o povo português, nos momentos decisivos, tem uma espécie de «sentido de Estado» que o faz tomar a decisão «certa» para reequilibrar a vida do país. Todos nós já lemos frases deste calibre.
É esse tipo de pensamento que recordo agora que Avelino Ferreira Torres está à frente nas sondagens para as eleições em Amarante - e que os comentários cépticos em relação às qualidades e capacidades superiores do povo começam, aqui e ali, a suceder-se.
Marcelo Rebelo de Sousa, no seu último comentário na RTP (perante uma Ana Sousa Dias cada vez mais desconfortável no seu papel pouco útil), deu a ideia de que, na hipótese provável de Avelino vencer, o povo irá acordar demasiado tarde. Pois, aqui está. O povo, outrora mimado e engraxado na praça pública, a ser avisado das suas contingências e debilidades na altura de decidir.
Sim, é o povo quem mais ordena. Mas só quando nos dá jeito, pois.

Pilatos e o PS

O maior inimigo de Carrilho é o PS. Não, já não é apenas a classe jornalística. Agora é o Largo do Rato em peso – e os seus afluentes - que deseja que o filósofo se espatife na primeira curva. É verdade que Manuel Maria metralhou - mais do que uma vez - os joanetes durante os últimos tempos, mas o PS, a julgar pelas declarações públicas de alguns dos seus elementos (entre eles, Jorge Coelho), tem tentado empurrar o candidato-filósofo para a maior das solidões políticas e eleitorais.
A forma como Carrilho está a ser abandonado pelo PS – que, é claro, não quer chamuscar o seu prestígio nesta fase decisiva – faz lembrar uma verdade essencial e bastante cruel da vida dos partidos. Os partidos tanto podem proteger ao máximo os seus militantes (quando estes «dão jeito» e se «portam bem»), mas também são capazes de os abandonar numa ruela qualquer quando percebem que têm mais a perder do que a ganhar, caso continuem a suportá-los. (É preciso reconhecer que Ferro Rodrigues, à parte os seus excessos e irritações, foi uma excepção a este tipo de conduta).
Alinhemos um conjunto de factos e conclusões que qualquer criança poderá perceber. Carrilho foi escolhido pelo partido para ser o candidato socialista à Câmara de Lisboa. Certo? Tem, digamos, essa legitimidade. Ou seja: no mínimo, o que se pode esperar é que o PS assuma até ao fim o «encargo» de o ter como candidato. Certo? Que não comece com insinuações públicas ou com declarações do género “eu não tenho nada a ver com isso”. Certo? Certo. Pilatos – que tanto tem inspirado a actividade política - anda a fazer de novo escola no PS.

Independência para Portugal

Vá lá, ao menos sejamos correctos e justos nisto. Temos de dar os parabéns à ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, que acaba de trazer para a ordem do dia um assunto polémico mas absolutamente decisivo do nosso tempo. (Sabe-se disso: não se fala noutra coisa nas ruas, nas tascas, nas esplanadas, nas praias, nos clubes de strip, na Biblioteca Nacional – ou seja, em todos os sítios onde, a qualquer momento, poderá rebentar um arrastão). Sim, já é altura de Portugal se tornar independente dos Açores.
A situação tornou-se insustentável. Chegou o momento de satisfazer as legítimas aspirações independentistas dos portugueses. O Júlio da garagem fala-me em escândalo. Uma ministra com vocação de revolucionária independentista? Calem-se, calem-se essas vozes do contra. Esses reaccionários que não percebem o curso normal da História. Esses Vascos Pulidos Valentes de vão de escada. Esta senhora é uma senhora de coragem. Fez o que tinha a fazer - e sem bombas pelo meio. Não podemos ocultar o esquecimento (e o desprezo) a que o arquipélago votou «a República» durante anos e anos. Maria de Lurdes Rodrigues é o Michael Collins do Executivo de Sócrates.
A FLC (a Frente de Libertação do Continente), liderada justamente pela senhora ministra, tem, segundo as fontes do quarto andar sem elevador, realizado reuniões consecutivas no sótão do Ministério da Educação. Já foi abandonada num caixote qualquer aquela ideia do referendo – recordemos que a pergunta era “Independência para o País do Mourinho, Sim ou Não?”. E, dado o depoimento recente de Maria de Lurdes sobre o assunto, a declaração de independência está para breve. Não saiam, pois, dos vossos lugares.

Thursday, June 23, 2005

O exemplo de António-Pedro

António-Pedro Vasconcelos, além de realizador (e religioso benfiquista, pois), é, sabemo-lo, um prosador. Um bom prosador, diga-se. Acompanho as suas crónicas desde há muito - e raramente saio desiludido dos parágrafos. Por causa do conteúdo, sim, mas sobretudo por causa da limpidez e secura do estilo. É raro escrever-se assim neste território de gente tão militantemente rebuscada.
Acabo de ler O Cinema e a Vida, o texto que escreveu sobre si próprio para a última página do JL. Não foram as abundantes referências literárias e cinematográficas que me salvaram o fim de tarde na esplanada. Foi uma frase lá mais para o fim - que procura condensar a relação que mantém com os objectos artísticos que o formaram e o seu percurso como realizador.
Esta: «Não fiz os filmes que queria porque escolhi um médium universal para me exprimir, e porque nasci - e escolhi viver - num país periférico, perdido no mapa da grande cultura popular que é o cinema, onde os filmes nem sequer falam aos seus contemporâneos. Mas tenho vivido como aprendi nos livros que li e nos filmes que amei (?)».
As perguntas que me surgiram depois de absorvida a prosa (e enquanto aguardava «a continha, se faz favor») foram: será que aqueles que na minha geração têm talento e ambições artísticas vão, daqui a uns anos, chegar a esta mesma conclusão - que a arte comandou as suas vidas, mas que não conseguiram alcançar os seus objectivos por habitarem um país periférico?
As respostas, essas, ainda vão demorar bastante tempo a chegar. Que, por agora, fiquem pelo menos os exemplos. Os exemplos como o de António-Pedro Vasconcelos, a recordar que a caminhada não vai ser, como é hábito dizer-se, pêra doce. Afinal de contas, este continua a ser o «país possível».
ncostasantos@netcabo.pt

Wednesday, June 22, 2005

Carrilho vs. jornalistas

Sim, esqueçam o wrestling da SIC-Radical e as porradas conjugais do Fiel ou Infiel?. Eis o duelo mais excitante do momento: a guerra entre Carrilho (para quem não o conhece, o pai do Dinis) e os jornalistas. Há miudagem a abandonar a Playstation (e os discos do Boss AC e do Valete) só para assistir aos próximos episódios - cada vez mais violentos e sangrentos. A TVI está a pensar em criar o programa A Arena das Celebridades - basicamente um combate diário entre Manuel Maria e uma data de repórteres, cronistas e editorialistas - onde vale tudo, até arremessar livros de filósofos pragmáticos americanos.
Aquilo que está em jogo é mais sério do que possa parecer. É isto, no fundo: qual dos poderes vai ganhar a guerra - o dos jornalistas ou o da personagem que foi por eles catapultada? Ou, dito de outra maneira: será que, hoje em dia, nesta lusitana embarcação, é possível um político ganhar umas eleições tendo a classe jornalística como inimiga? A ver vamos.
Por enquanto, Carrilho é o que - para citar Habermas - «tem levado mais no lombo». Em consequência também da sua delicadeza de Stallone nos artigos e nas entrevistas. Pôs-se a jeito, digamos assim. Carmona Rodrigues é tão deslavado e nerd, que não causa reacção da classe. Sá Fernandes, que transporta a aura justiceira e bloquista, tem sido poupado. Rúben de Carvalho é Rúben de Carvalho (é respeitado e tolerado, mas não causa nem entusiasmos nem ódios). E Maria José Nogueira Pinto só agora entra em prova.
Por mais que o neguem, os jornalistas conseguiram reunir esforços para destronar Santana. Vamos ver se conseguem agora liquidar as aspirações autárquicas de um filósofo truculento.
ncostasantos@netcabo.pt

Monday, June 20, 2005

Não percebo isto

Se eu fosse o Pierluigi Collina não passava por estes dias no Martim Moniz. Feita a advertência ao senhor (que, contam-me amigos italianos, lê sempre esta croniqueta - e a secção do hoje fazem anos do Público - logo pela matina), é altura de escrever aquilo que vai no que ainda resta da minha melancólica alma: não percebo isto. Não, não percebo isto de andar de cabeça rapada a chatear a cabeça de pessoas de cores diferentes.
Ou melhor: percebo isto, mas não percebo isto (desculpem-me a extrema clareza de pensamento; é do calor). Percebo isto - porque só o humano é capaz dos mais cruéis e parvos extremismos mentais - mas não percebo isto porque isto está tão afastado do meu universo e da minha maneira de ver e sentir que entra no domínio do incompreensível.
O que torna o fenómeno perversamente fascinante. Explico-me melhor: quando os carequinhas de serviço aparecem na televisão, num documentário, numa notícia ou num anúncio de uma sauna, fico preso à coisa - como quem vê um conjunto de hipopótamos que de repente começou a falar sobre literatura arménia. É tão bizarro e tão estúpido (tão absolutamente nonsense) que a gente quer saber o que é que vai acontecer a seguir.
Eu não os enjaulava. Pelo menos para já. Obrigava-os a usar cabeleiras afro e missangas à volta do pescoço. Obrigava-os a, sempre que quisessem pedir uma bica ou uma imperial, exprimirem-se em português com sotaque angolano ou moçambicano. Obrigava-os a escurecerem a pele e a, até ao fim da vida, fazerem parte de grupos de reggae (quanto mais irritantemente repetitivos, melhor). Obrigava-os - aos domingos - a vestir um belo de um turbante. Só depois é que pensava no resto.
ncostasantos@netcabo.pt

Saturday, June 18, 2005

O strip açoriano

Depois de, nestes últimos dias, ter percorrido o eixo Paris-Marvão (esse conhecido eixo geoestratégico mundial), achei que devia estacionar por uns dias na ilha de São Miguel, a minha terra. Quis, no fundo, completar a sequência em beleza: Paris-Marvão-Livramento (a freguesia dos arredores de Ponta Delgada, onde cresci para o nonsense e a melancolia).
Estou por aqui, no meio de um dia brumoso e nevoeirento - o que é muito estranho, tratando-se das ilhas açorianas. Até agora não houve nenhum tremor de terra. Assisti ontem ao boletim televisivo e, quando chegou à parte da “previsão do estado dos vulcões para amanhã”, as notícias foram apaziguadoras. Obrigado, Mãe Natureza.
É a primeira constatação para quem sai do aeroporto e segue pelas modernas estradas da ilha: os meus Açores acordaram para o sexo. Melhor: os meus Açores acordaram para o softcore – ou, segundo algumas informações recolhidas junto dos especialistas, para «um certo hardcore». É isso mesmo: hoje, há várias casas de strip nas ilhas. E há alguns outdoors que, sem pedir licença à bem conservadora sociedade açoriana, fazem a devida publicidade às mesmas.
Que fique claro - não me escandalizo com o facto. Acontece. Acontece aos melhores sítios do mundo (é vaidade e orgulho, eu sei). E – permitam-me as donas aí do bairro o devaneio libertino – não vejo mal nenhum nisso. Ora vejamos: as famílias, ao decidirem atravessar o Atlântico, em vez de irem ver as lagoas, as hortênsias e o mar, vão ver uma data de brasileiras e ucranianas a dançar ao som do Enrique Iglesias. São, à mesma, férias que prometem.
ncostasantos@netcabo.pt

Thursday, June 16, 2005

Eu voto Carrilho

Conhecem o Carrilho? Não o Manuel, mas o André, o André Carrilho? Se não conhecem, eu conto-vos: o André Carrilho é um ilustrador galáctico que anda por aí a fazer desenhos à maluca. Não, não vale a pena estar com rodriguinhos: sou mesmo fã do gajo. Neste momento, é, aliás, dos artistas portugueses que mais admiro (a seguir à dona Lara, que pinta umas brilhantíssimas naturezas mortas; no outro dia, fez um auto-retrato daqueles).
A excelente colecção de livros de O Independente, Horas Extraordinárias, por exemplo, tem desenhos do Carrilho (o outdoor da colecção de jazz do Público também). Já viram o do O´Neill, o do Luiz Pacheco, o do Pereira Coutinho, o do Rui Ramos, o do Millôr Fernandes (fabuloso, sobretudo no olhar claro e triste)? A gente olha para os desenhos e reconhece logo que são eles próprios. Eles próprios transfigurados, recriados por um traço e por uma expressividade carrilhianos (é o único adjectivo que arranjo para os definir).
Não podia deixar de ser - desde há uns tempos, André Carrilho anda a fazer coisas para alguns dos melhores jornais do mundo (e só tem 30 anos, o sacrista!): para o New York Times, para a Harper´s, para o Independent on Sunday. Podem conhecer alguns trabalhos dele mais antigos em http://www.andrecarrilho.com. Vão, vão lá ver o Peter O´Toole, o Brian Ferry ou o Naipaul remixados por um tuga ultratalentoso.
Vamos aos pedidos: eu quero ter a cara dos meus desenhada por este magnífico ilustrador. Eu quero que a imagem artística de Portugal no estrangeiro passe a ser a criatividade e o rasgo do André Carrilho e não os lacrimejantes - e agora inevitavelmente conformados - Madredeus. Eu quero que o Carrilho, o André, se candidate à Câmara de Lisboa. Para eu poder votar nele, pois.
ncostasantos@netcabo.pt

Friday, June 03, 2005

Vamos morrer:)

Por este dias só me estão a interessar as questões fracturantes. Os temas que dividem a sociedade portuguesa. Que dão insónias (lacrimejantes, pois) ao presidente Sampaio. Depois de ter dedicado a prosa de ontem aos SMS’s e à sua importância na comunicação de notas decisivas para as nossas vidas, dedico a minha melancolia primaveril de hoje aos smilies (e a toda a sinaléctica aparentada). Aguente-se, leitor mais sensível.
Os smilies, esses bonequinhos essenciais à comunicação pós-moderna. Não há cidadão que comunique no Messenger (e são tantos nas empresas, por exemplo) que não os utilize. Também têm aparecido muito nos emails e nos comentários bloguísticos. Dão jeito. Pois, ajudam a explicar melhor a intenção daquilo que se quer dizer por escrito. Ou seja: ajudam uma pessoa a não ser espancada.
Há os zangados. Os contentes. Os malandrecos (a piscar o olho). E há outros que ficam para os entendidos. A questão é: vou ter de passá-los a usar (talvez até na crónica; talvez até nas actas das reuniões de condóminos; talvez até no meu livrinho de poemas). Ainda resisti, ainda desdenhei, ainda me armei ao intelectual. Mas fui obrigado a aderir ao fenómeno. Sobretudo depois de ter sido espancado pela dona Ermelinda por causa de um bilhete que rabisquei à pressa no café – e que a dona Ermelinda interpretou como sendo uma proposta para irmos os dois para casa dela ver o canal Venus.
Além do mais, com o smilie certo, podemos insultar quem quisermos que ninguém leva a mal. Basta pôr o bonequinho risonho no final da frase. Se escrever «és um pulha» sou capaz de ser assassinado pelo meu interlocutor (e pela sua família toda, inclusive os primos emigrantes em França). Mas se escrever «és um pulha:)», sou recebido com um abraço por toda a gente. Vá lá, experimentem.

A vida por SMS

Segundo consta, Miguel e Nuno Gomes souberam que não foram convocados por Luiz Felipe Scolari para as próximas jogatanas da selecção nacional por SMS. Está, pois, encontrada uma novíssima forma de comunicação de decisões importantes (alguns dirão essenciais) para as nossas vidas.
É isso. Chegou-se a uma altura tão informal, tão informal que já dispensamos a reunião, o simples encontro no café do centro comercial ou o mero telefonema de trinta segundos (no meio do IC-19, a 120 km à hora). Não, hoje, manda-se um SMS para comunicar coisas sérias. Caso para citar novamente o magno pensamento de um Tony Vitorino: habituemo-nos.
Aliás, se pensarmos um pouco, se perdermos dois segundos para reflectir nestes problemas da humanidade, concluíremos que os jogadores Miguel e Nuno Gomes até tiveram muita sorte naquilo que se passou. «Ah pois!», diz-me aqui o Zé Rui, o rapaz da garagem. Podiam muito bem ter ficado a saber da não-convocatória através de um rodapé do programa Praça da Alegria. Ou da TV-Saúde. Ou podiam ter ficado a saber da sua situação futebolística na selecção quando fossem pesquisar o (escanzelado, calcula-se) saldo das suas contas bancárias no multibanco da esquina.
Desculpe mas tenho de avançar para as perguntas, dona Artemísia. O que se seguirá? Um tipo vir a saber que a mulher acaba de mudar de sexo numa clínica holandesa por SMS? A mulher saber que o marido acaba de estoirar o património familiar todo (incluindo os vestidos e as jóias que ela herdou da avó Laurinda; e o caniche também) no Casino do Estoril por SMS? O pai receber do filho o seguinte SMS: “Pai, hoje não vou jantar. Ah, e sou gay. Um abraço, Márcio”?
Esperemos para ver. Corrijo: aguardemos, serenos como o povo, pela próxima mensagem.

Wednesday, June 01, 2005

O capricho do noivo

(Pequena nota informativa que nada tem a ver com o artigo que se segue: a minha vizinha de baixo está neste momento a comemorar o Dia Europeu dos Vizinhos enviando fumarada de um cozinhado qualquer cá para cima; agradeço-lhe, a partir da croniqueta, a gentileza). Pois, já percebemos o ponto: há muito boa gente que é pelo não à Constituição Europeia porque tem medo que os países-membros, a partir do momento que se submeterem ao novo conjunto de regras, percam a identidade e a individualidade próprias. Ou por outra: para muitos, o Tratado Constitucional significa o fim das Nações - e da própria ideia de Nação.
Eu, que se calhar sou tão nacionalista quanto alguns dos partidários do não (vibro com o meu país e quero que se imponha no mundo; não tenha nada aquele discurso pseudo-internacionalista que censura até quem canta o hino nos estádios), acho que a identidade de um país não fica encurralada por este conjunto de normas. Pelo contrário.
Sabemos disso: a História, a cultura e a identidade de Portugal (por exemplo) não ficarão certamente afectadas por um conjunto de mecanismos cujo principal objectivo é fortalecer e agilizar a União Europeia. Torná-la mais incisiva em termos políticos, económicos e militares - e, por isso, mais respeitada no mundo.
Além do mais, parece-me que esta ideia de fazer tudo para que não se avance no sentido de uma maior integração política na União já não vem a tempo. Convenhamos que é uma indignação que chega bastante atrasada. Faz-me, aliás, lembrar o noivo que, à entrada da igreja, com a noiva, o padre e os convidados todos à espera, quer por força desmarcar o casamento.

Orgulhosamente sós

Confesso: continuo impressionado com as manifestações de alegre histerismo pela vitória do «não» em França. As imagens circularam nas televisões de todo o mundo: franceses abraçados uns aos outros, com copázios (e, quem sabe, charros do Dubai) na mão, a gritar a sua felicidade por terem empatado a vida à União. Como se esse fosse o desígnio maior das suas vidas.
Impressiona-me também a circunstância evidente de uma boa parte daquelas pessoas não fazer ideia daquilo que realmente está a festejar. No máximo, tem uma vaga noção (cheia de clichés que desaguam na abstracta expressão “Europa social”). Mas elas festejam. Saltam. Gritam. Fazem sapateado e strip ao lado das respectivas famílias. Em nome de uma vitória que as torna orgulhosamente sós na caminhada europeia.
Mas, ao menos, elas fazem a festa. Pois, a verdade é que, antes de me lançar a mais um melancólico zapping, faço a perguntinha preocupada: será que, quando houver referendo em Portugal, as pessoas também irão para as ruas apitar? Por enquanto, a resposta é: duvido. Estamos muito mais longe de qualquer ideia de União Europeia do que os franceses. E em matéria de ignorância sobre os mecanismos e a substância do Tratado Constitucional estaremos (com certeza) em pior situação do que eles. Basta assistir aos depoimentos de rua. «A Europa» não nos causa qualquer tipo de emoção. E, em consequência disso, de opinião.
Fica a proposta: que, no dia do referendo, se jogue uma futebolada épica entre os ilustres adeptos do sim e do não. Isso mesmo: pode ser que, dessa forma, haja festança até às tantas no Marquês.
(publicado no dia 31 de Maio de 2005)